O ex-presidente Jair Bolsonaro vai enfrentar mais um capítulo delicado na sua longa trajetória política e militar. Dessa vez, o caso chega ao Superior Tribunal Militar (STM), que vai julgar não apenas ele, mas também outros oficiais das Forças Armadas que já foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no processo sobre a chamada trama golpista.
Esse julgamento no STM ganha ainda mais relevância porque contará com ministros indicados diretamente pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dois deles já estão empossados — o general Guido Amin Naves e a advogada Verônica Sterman — e outros dois nomes devem ser escolhidos até o fim de 2025, já que os ministros Marco Antônio de Farias e Odilson Sampaio Benzi se aposentam nos próximos meses ao completarem 75 anos, idade limite prevista pela Constituição.
O tribunal militar é composto por 15 ministros. A distribuição segue um padrão histórico: nove são militares da ativa (quatro do Exército, três da Marinha e três da Aeronáutica), enquanto os outros cinco são civis. Todos precisam ser nomeados pelo presidente da República e confirmados pelo Senado, o que dá a esse processo uma pitada de jogo político, já que cada indicação pode pesar em julgamentos futuros.
No caso específico de Bolsonaro, ele não estará sozinho no banco dos réus. A lista de acusados inclui figuras de peso das Forças Armadas, como os ex-comandantes Paulo Sérgio Nogueira, do Exército, e Almir Garnier Santos, da Marinha. Além deles, estão o ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto e o ex-ministro do GSI, general Augusto Heleno. Todos eles foram citados na investigação que apontou a articulação para questionar e até tentar reverter o resultado das eleições de 2022, que reconduziram Lula ao poder.
Mas é importante entender: o STM só deve analisar o caso depois que as condenações estiverem definitivamente transitadas em julgado no STF. Em outras palavras, quando não houver mais possibilidade de recurso. Até lá, o processo segue em compasso de espera.
Um detalhe que chama atenção é a possibilidade de perda de patente. O Estatuto dos Militares prevê que oficiais condenados a mais de dois anos de prisão podem perder o posto e a patente, o que seria uma punição dura, simbólica e inédita, especialmente por envolver ex-comandantes das Forças Armadas. Imagine a repercussão de generais de quatro estrelas perdendo formalmente seu status militar — seria algo sem precedentes na história recente do Brasil.
Vale lembrar que o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, também esteve no centro da investigação. Porém, ele firmou acordo de colaboração premiada e recebeu uma pena de apenas dois anos em regime aberto. Por isso, não será alvo desse julgamento específico no STM. A situação dele é diferente, já que sua delação ajudou a esclarecer pontos-chave do caso.
O assunto, claro, não fica restrito aos tribunais. A opinião pública acompanha cada passo, e a imprensa cobre de perto porque o julgamento pode redefinir a relação entre o poder civil e os militares no Brasil. Em um momento em que o governo Lula busca consolidar sua autoridade após episódios de instabilidade — como os atos de 8 de janeiro de 2023 em Brasília —, decisões como essa ganham ainda mais peso político.
Em conversas de bastidores, aliados de Lula acreditam que a renovação parcial do STM com seus indicados tende a fortalecer uma postura de alinhamento institucional, deixando menos espaço para aventuras políticas dentro das Forças Armadas. Já apoiadores de Bolsonaro veem na medida uma tentativa de “vingança política”, argumento repetido em manifestações e nas redes sociais.
O certo é que, enquanto o julgamento não acontece, o clima de expectativa cresce. Bolsonaro, que já enfrenta outras frentes jurídicas e políticas, terá mais esse desafio para tentar manter vivo o capital político junto à sua base. E, de alguma forma, o resultado no STM pode simbolizar um divisor de águas no papel dos militares dentro da política brasileira daqui pra frente.