O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, voltou a falar sobre um dos episódios mais marcantes de sua trajetória: o julgamento do habeas corpus preventivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018. Em entrevista à Folha de S.Paulo, Barroso disse que não se arrepende do voto que ajudou a manter Lula preso após a condenação na Operação Lava Jato. Ainda assim, ele admitiu que tomou a decisão “com dor no coração”.
O ministro recordou que, à época, o entendimento do STF era de que a execução da pena podia começar logo após a condenação em segunda instância. Ou seja, mesmo que ainda restassem recursos, a prisão já poderia ser determinada. Foi com base nessa jurisprudência, segundo ele, que decidiu. “Vamos supor que eu tivesse uma simpatia pelo presidente Lula, que eu gostasse dele. Mas eu sou juiz. Devo mudar a jurisprudência só porque quero bem ao réu? Ou meu dever é aplicar o que a Corte já definiu? Então, com dor no coração, apliquei a jurisprudência que eu mesmo tinha ajudado a criar”, explicou.
Apesar da rigidez no voto, Barroso não deixou de reconhecer qualidades pessoais do petista. Ele o descreveu como alguém “carismático e agradável”. E até compartilhou uma história curiosa de bastidores. Segundo ele, logo depois da eleição de 2002, Lula foi visitá-lo em casa, antes mesmo de tomar posse. Na ocasião, sua sogra — holandesa, que não tinha muita simpatia pelo novo presidente eleito — mudou completamente de opinião após poucos minutos de conversa. “Em dez minutos, Lula arrumou uma fã apaixonada. Ele tem a capacidade de seduzir as pessoas”, contou o ministro.
Esse episódio ainda gera debates acalorados, especialmente porque em 2019 o STF mudou de posição e reviu a regra, estabelecendo que a prisão só poderia ocorrer depois do trânsito em julgado, isto é, quando não houvesse mais possibilidade de recursos. Essa mudança foi crucial para Lula, que já estava preso em Curitiba, na sede da Polícia Federal, desde 7 de abril de 2018. Ele permaneceu lá por um ano e sete meses, sendo libertado apenas em novembro de 2019.
No julgamento de 2018, o placar foi apertado: 6 a 5 contra Lula. Votaram pela prisão Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e o próprio Barroso. Já Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello se posicionaram a favor da liberdade do ex-presidente. Essa divisão acentuada do Supremo é lembrada até hoje, e serve de combustível para discursos políticos tanto de aliados quanto de opositores de Lula.
Vale lembrar que Lula havia sido condenado a 12 anos de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) no caso do famoso triplex do Guarujá, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro. O processo virou símbolo da Operação Lava Jato, mas também alvo de duras críticas, sobretudo após revelações da chamada Vaza Jato, que colocou em xeque a imparcialidade de alguns investigadores e até mesmo do então juiz Sergio Moro, hoje senador e figura ainda muito presente no cenário político.
Ao revisitar esse tema em 2025, Barroso não apenas defende sua coerência jurídica, mas também parece querer mostrar que as decisões da Corte são feitas dentro de um contexto — que, como se viu depois, pode mudar. O assunto continua atual, principalmente porque Lula voltou ao poder em 2023 e hoje ocupa novamente a cadeira de presidente da República, sendo peça central das discussões políticas e econômicas do país.