PF encontra anotações de Bolsonaro sobre Trump

Durante a operação de busca e apreensão feita pela Polícia Federal em julho, em Brasília, um detalhe curioso chamou atenção dos investigadores. No escritório do Partido Liberal (PL), mais exatamente na mesa onde Jair Bolsonaro costumava trabalhar, foram encontradas várias anotações escritas à mão pelo próprio ex-presidente. E o que mais intrigou foi o conteúdo: referências diretas a Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos.

Entre os papéis apreendidos, havia expressões como “DT e JB”, “Trump e equipe validaram o convite”, “JB alinhado DT” e “JB — Trump — Último”. Segundo fontes próximas à investigação, essa última frase indicaria que Bolsonaro se enxerga, junto com Trump, como um dos “últimos líderes” de uma espécie de cruzada conservadora global. É uma visão que, de certa forma, ele já expressou em discursos e entrevistas, principalmente depois das derrotas eleitorais tanto dele quanto do americano.

Outra anotação chamava a atenção: “Lawfare — ativismo judicial”. Essa expressão é velha conhecida dos bolsonaristas e costuma ser usada para sustentar a ideia de que o sistema de Justiça estaria sendo usado de forma política, uma narrativa que o próprio ex-presidente repete desde antes de ser declarado inelegível.

Em outro pedaço do papel, Bolsonaro escreveu algo como: “JB – + popular do BR cuja exclusão p/26 é afronta aos princípios democráticos”. Traduzindo o rabisco, os investigadores entendem que ele se refere à sua inelegibilidade até 2030, imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que Bolsonaro e seus aliados chamam de uma “interferência judicial” no processo político brasileiro.

Mas talvez o trecho mais simbólico das anotações seja o que menciona “06/08 – jan” e “tiro x facada”. A primeira parte parece fazer referência ao 6 de janeiro de 2021 — data da invasão ao Capitólio, nos EUA — e ao 8 de janeiro de 2023, quando grupos radicais atacaram as sedes dos Três Poderes em Brasília. Esses dois episódios são constantemente comparados por simpatizantes de Bolsonaro e Trump, que veem ambos como vítimas de perseguição e como líderes que despertaram reações “do sistema”.

Já a expressão “tiro x facada” é mais enigmática. Para alguns policiais, pode ser uma metáfora usada por Bolsonaro para comparar os diferentes tipos de “ataques” que ele e Trump enfrentaram. Outros acreditam que seja apenas uma anotação solta, sem contexto definido — afinal, era um conjunto de rascunhos pessoais, cheios de abreviações e ideias inacabadas.

Apesar do conteúdo político e até simbólico, a PF concluiu que essas anotações não têm valor probatório. Ou seja, não servem como evidência direta em nenhum dos inquéritos em andamento — nem no que apura a tentativa de golpe de Estado, nem naquele que investiga o papel de Eduardo Bolsonaro nos EUA.

A operação em questão foi uma das mais amplas contra o entorno bolsonarista. Além das anotações, os agentes apreenderam o celular de Jair Bolsonaro e determinaram o uso de tornozeleira eletrônica, com restrições de deslocamento.

Pouco tempo depois, no dia 4 de agosto, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a prisão domiciliar do ex-presidente. Desde então, Bolsonaro segue em casa, com monitoramento eletrônico e proibido de manter contato com alguns aliados. Seus advogados já pediram a revogação da medida várias vezes, mas todas foram negadas até agora.

Essas anotações, embora sem peso jurídico, revelam muito sobre o estado de espírito de Bolsonaro após deixar o poder — uma mistura de ressentimento, nostalgia e tentativa de se manter relevante politicamente. E o curioso é que, mesmo com todos os processos, restrições e crises dentro do PL, ele ainda busca reforçar sua imagem como o “último bastião” de uma direita que, segundo ele, estaria sendo silenciada.