Nos últimos dias, uma nova onda de críticas tomou conta das redes sociais, desta vez mirando o SBT e a família Abravanel. Parte da direita passou a acusar a emissora de “traição” e tentou puxar um cancelamento virtual depois que o presidente Lula, a primeira-dama Janja e o ministro Alexandre de Moraes marcaram presença em um evento dentro da sede do canal. Como sempre acontece nesses casos, a internet ferveu, opiniões se dividiram e o debate saiu do trilho em poucos minutos.
Mas, pra entender esse barulho todo, é preciso ir além do calor das redes e olhar um pouco pra história. A relação entre governos e grandes emissoras de TV no Brasil nunca foi simples, muito menos ideológica. Ela é, antes de tudo, prática. Quem está no poder precisa de espaço, visibilidade e, claro, legitimidade. Já as emissoras dependem de concessões públicas, estabilidade jurídica e verbas de publicidade oficial pra manter a engrenagem girando.
Um exemplo bem recente disso aconteceu em 20 de dezembro de 2022. Faltando apenas dez dias para deixar o Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro assinou a renovação da concessão da TV Globo por mais 15 anos. O gesto pegou muita gente de surpresa, inclusive aliados próximos. Afinal, durante todo o mandato, Bolsonaro fez duras críticas à emissora da família Marinho, acusando-a de perseguição e até insinuando que poderia não renovar a outorga.
No fim das contas, renovou. E ponto final. Nos bastidores, a decisão foi vista como uma tentativa clara de não fechar portas com o maior grupo de comunicação do país. Pode não ter sido um gesto ideológico, mas foi, sem dúvida, político. Bolsonaro brigou em público, mas garantiu o básico no papel. Isso diz muito sobre como esse jogo funciona de verdade.
Essa lógica de troca — ou melhor, de convivência forçada — não é novidade. Presidentes passam, partidos mudam, discursos se adaptam, mas a relação entre poder e mídia segue praticamente a mesma. O governo oferece anúncios, entrevistas exclusivas e acesso. As emissoras entregam audiência, alcance e, muitas vezes, uma certa normalização do poder vigente. Não é teoria da conspiração, é rotina de Brasília.
E não, isso não vale só pra Globo. O SBT sempre jogou esse jogo também. Silvio Santos, que ninguém pode chamar de ingênuo, construiu sua emissora mantendo um relacionamento pragmático com todos os governos. Conversou com militares, com civis, com esquerda e com direita. Nunca foi sobre amor ou alinhamento ideológico, mas sobre sobrevivência empresarial.
Agora, com Silvio fora do comando direto, suas herdeiras seguem a mesma cartilha. Receber autoridades faz parte do pacote de qualquer grande emissora que depende de concessão pública. Fingir surpresa com isso é, no mínimo, desconhecer como funciona o sistema. Ou então é pura conveniência política.
O curioso é ver como esse tipo de relação só vira problema quando o “convidado” não agrada um determinado grupo. Quando era Bolsonaro sendo recebido, muitos aplaudiam. Agora, com Lula e Moraes circulando pelos corredores do SBT, o tom muda, surgem acusações e discursos inflamados. Dois pesos, duas medidas, como quase sempre.
No fundo, o verdadeiro jogo acontece longe do Twitter, do Instagram ou do WhatsApp. Ele se desenrola em reuniões fechadas, almoços discretos e acordos que raramente chegam ao público. As redes sociais gritam, xingam, cancelam, mas o poder real continua sendo negociado em silêncio.
Gostando ou não, a presença de Lula no SBT não muda a essência dessa relação histórica entre mídia e governo. Ela só escancara algo que sempre esteve ali. Quem entende isso olha pra polêmica com mais calma. Quem não entende, continua brigando na timeline, achando que descobriu algo novo.