Áudio mostra juiz incomodado com interferência de Moraes

Um áudio, que veio a público recentemente, revelou uma conversa nada confortável entre o juiz Airton Vieira — auxiliar direto do ministro Alexandre de Moraes — e Eduardo Tagliaferro, que na época ocupava o cargo de assessor especial no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nesse diálogo, Vieira deixa claro que estava desgastado com a forma como seu superior vinha conduzindo certas questões.

O tom da fala de Vieira é quase de desabafo. Ele conta que a situação chegou a um ponto crítico, a tal ponto de afetar o sono e até a própria “higidez mental” — termo formal que ele mesmo usou, mas que, traduzindo, significa que estava no limite da sanidade.

— Bom dia, Eduardo, tudo bem? Olha… a coisa tá complicada, viu? Eu não tô aguentando mais. Fisicamente, psicologicamente, emocionalmente… nada. Não consigo dormir direito, não tenho paz. Sinceramente, tô perdendo o pouco de higidez mental que eu ainda tinha — disse ele, sem rodeios.

O juiz auxiliar citou especificamente problemas envolvendo audiências de custódia, onde, segundo ele, Moraes estaria interferindo mais do que deveria. Vieira chegou a dizer que já pensava em deixar o cargo, mas que, diante da enxurrada de críticas e ataques que o ministro recebia na época — especialmente por ser presidente do TSE e ministro do STF — não queria passar a impressão de que estava “abandonando o barco” no meio de uma tempestade.

— Agora eu fico até constrangido de antecipar qualquer saída, porque pareceria que tô pulando do barco justo no pior momento. Acho desagradável… Não faria isso, não deixaria o ministro na mão. Mas tá muito, muito difícil — completou.

E ele foi além:

— Minha família tá sofrendo demais. E não é só pelo trabalho em si. Se fosse um ambiente bom, beleza… Mas é pressão de todo lado, cobrança pra ontem, nada do que a gente fala tem crédito. Estamos cercados de gente que… bom, você sabe. É difícil, muito difícil.

O caso veio à tona depois que o portal Metrópoles divulgou o áudio. O jornalista David Ágape, envolvido na investigação apelidada de “Vaza Toga”, publicou a transcrição completa no X (antigo Twitter), acrescentando contexto sobre as queixas de Vieira.

Segundo Ágape, a reclamação sobre os “palpites de Moraes” estava ligada a uma mudança significativa: Moraes teria retirado dos juízes a prerrogativa de decidir sobre liberdade provisória, relaxamento de prisão ou conversão para prisão preventiva — pontos previstos no Artigo 310 do Código de Processo Penal. Em vez disso, essas decisões passaram a ser tomadas exclusivamente pelo próprio ministro, sem contato direto com os custodiados.

O jornalista também lembrou que, depois desse episódio, Vieira chegou a se despedir dos colegas no grupo de WhatsApp que tratava das audiências de custódia dos presos pelos atos de 8 de janeiro. Pouco tempo depois, deixou o posto e voltou ao Tribunal de Justiça de São Paulo, retomando seu trabalho como desembargador.

Esse episódio joga luz sobre algo que normalmente fica escondido do público: os bastidores do Judiciário em momentos de forte pressão política e social. Mostra que, por trás das togas e formalidades, há também pessoas lidando com desgaste emocional, conflitos internos e dilemas éticos.

E, num Brasil polarizado como o de hoje, qualquer fissura dentro de instituições como o STF ou o TSE vira combustível para debates acalorados, principalmente nas redes sociais. Afinal, se até quem está no topo da estrutura sente o peso do cargo, imagine o resto.