Não posso aceitar que fale tantas inverdades, dispara Lula sobre Trump

Na última sexta-feira (15/8), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a usar um tom firme contra declarações recentes do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O episódio aconteceu em Iracemápolis, no interior de São Paulo, durante a inauguração da nova fábrica da montadora chinesa GWM, um investimento que promete gerar empregos e dar fôlego extra à indústria automobilística nacional.

O clima no evento era de celebração, afinal, a presença de uma gigante chinesa no país mostra que o Brasil ainda é visto como um espaço estratégico para negócios globais. Mas Lula aproveitou o microfone para mandar um recado direto a Washington: não vai aceitar, segundo suas palavras, “inverdades” ditas sobre o Brasil.

O estopim dessa reação foi uma carta publicada em julho no portal oficial do governo americano, assinada por Trump, onde o republicano justificava o tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros. Para Lula, o gesto foi de desrespeito, não apenas pelo teor da mensagem, mas pelo fato de ter sido divulgada de forma pública e ostensiva. Ele rebateu trechos do documento, que mencionavam supostos problemas na balança comercial, violações de direitos humanos e até perseguição política ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

“Eu não posso admitir que um presidente de um país do tamanho dos Estados Unidos conte a quantidade de inverdades que tem contado sobre o Brasil. Nós não somos uma potência econômica como os EUA ou a China, mas somos um povo que merece respeito”, disparou Lula, arrancando aplausos de parte da plateia formada por autoridades, empresários e trabalhadores da nova planta industrial.

Na parte econômica, Lula argumentou que a carta de Trump erra nos números. Segundo ele, ao contrário do que foi dito, os Estados Unidos não têm déficit comercial com o Brasil. Pelo contrário: em 15 anos, acumularam superávit de cerca de 410 bilhões de dólares. “Quem está levando vantagem nessa relação são eles, não nós”, completou.

Mas o tema que mais chamou atenção foi o trecho em que Trump acusou o governo brasileiro de promover uma “caça às bruxas” contra Jair Bolsonaro, investigado pelo Supremo Tribunal Federal por tentativa de golpe de Estado. Para sustentar a crítica, os EUA chegaram a aplicar a Lei Magnitsky contra o ministro Alexandre de Moraes, relator das ações no STF, acusando-o de violações aos direitos humanos.

Lula evitou citar nomes diretamente, mas deixou claro que a leitura americana não corresponde à realidade brasileira. “Nós temos democracia, nós temos direitos humanos. O ex-presidente está sendo julgado, mas não por perseguição política. Ele responde por acusações feitas pelos próprios aliados, dentro de uma tentativa de golpe no dia 8 de janeiro de 2023. E nesse plano estavam previstos assassinatos contra mim, contra o vice-presidente Alckmin e contra o presidente da Corte eleitoral”, afirmou.

Esse tipo de declaração mostra que Lula pretende endurecer o discurso nas relações internacionais, especialmente quando percebe que há risco de desgaste à imagem do Brasil. Ao mesmo tempo, reforça uma posição de independência diante das potências mundiais — seja os EUA de Trump, seja a China, que no mesmo dia celebrava investimentos em solo brasileiro.

Vale lembrar que o embate com Trump não acontece em um vácuo. Estamos em pleno ano eleitoral nos Estados Unidos, e o republicano usa qualquer brecha para atacar adversários e exaltar sua agenda protecionista, que já foi marca registrada em seu primeiro mandato. O tarifaço contra produtos brasileiros, por exemplo, cai como uma luva para agradar setores da indústria norte-americana que reclamam da concorrência internacional.

No Brasil, o episódio ecoa em outro tom: vira combustível para a narrativa política de Lula, que busca se firmar como defensor da soberania nacional. A cena de um presidente brasileiro contestando um mandatário dos EUA não é nova, mas ganha força em tempos de redes sociais, onde cada fala é amplificada e reinterpretada de acordo com a bolha política de quem lê.

No fim das contas, o discurso de Lula mistura diplomacia com política doméstica. Ao mesmo tempo em que manda o recado para Trump, ele também fala ao público brasileiro, reforçando a ideia de que seu governo não aceita ser desrespeitado nem colocado como coadjuvante no cenário global.

E convenhamos, num mundo onde as narrativas valem tanto quanto os fatos, a resposta dura de Lula acaba sendo não só uma defesa do Brasil, mas também uma jogada estratégica de comunicação.